Quando acordei, Amber já havia ido embora: deixamos uma fresta aberta para quando ela quisesse sair. Preparei o café da manhã com as coisas que compramos na noite anterior. Pelo menos os cafés da manhã e as jantas nós mandávamos bem. O objetivo do dia era chegar até Punta del Este. Arrumamos todas as coisas pouco antes das 10h.
O tempo estava bom, algumas nuvens no céu e um sol brilhante. O frio estava mais intenso também, fazia 8ºC. Antes de irmos para a estrada, paramos no mercado para comprar chocolates e alguns doces para o caminho, que seria longo. Tivemos que seguir em direção ao norte por uns 20 km, apenas para voltar para a Ruta 9. Enquanto me afastava da cidade eu tentava prestar atenção em cada detalhe do caminho, imaginando se eu iria lembrar deles se algum dia eu voltasse lá. Aliás, essa viagem estava sendo tão boa, que eu ficava o tempo inteiro animado pensando: "eu preciso voltar aqui um dia!". Talvez não precisasse ser de bicicleta, é claro, mas eu com certeza quero voltar.
Passamos por Rocha ao chegar na Ruta 9, e fizemos uma pequena pausa nessa cidade. Faltavam mais de 100 km até Punta del Este e 210 km até Montevidéu. Era o oitavo dia de viagem, e o quinto dia desde que encontrei o Ashley, mas eu tinha a sensação de conhecê-lo há muito mais tempo. Ele ia sempre à minha frente, eu gostava de seguir o ritmo do pedal pois sempre que eu cansava era só diminuir o ritmo e depois pedalar mais rápido para alcançá-lo novamente.
A estrada da Ruta 9 saindo da cidade de Rocha era quase toda em morros: longas subidas e depois longas descidas. Como as subidas nós íamos devagar de qualquer maneira, o vento contra não era um problema, já que as descidas íamos rápido lomba abaixo. Nossa velocidade média pela primeira vez estava acima dos 20 km/h. Mas ainda faltavam muitos quilômetros até Punta del Este.
Era perto das 17h quando saímos da Ruta 9 e descemos em direção a Ruta 10, que costeia o litoral. Essa estrada não era tão boa quanto a anterior, estava começando o pôr do sol e estávamos cansados. Pensamos em dormir em José Ignácio, mas todos os locais para passar a noite eram muito caros. Seguimos então pela Ruta 10, e nesse lugar ela passava literalmente ao lado da praia. A rodovia toda era muito linda: uma longa estrada cortando um caminho que à direita ficavam as ruas e as casas e à esquerda ficava a praia e o mar.
Tiramos muitas fotos ao lado de um acostamento que de um lado havia um grande lago, e do outro havia o mar. O sol estava projetando um grande reflexo de luz nas águas, a cena era tão bonita que até mesmo o Ashley fez questão de tirar fotos para postar no fórum de cicloviajantes do mundo inteiro, onde ele escrevia suas aventuras. Faltavam 30 km até o centro de Punta del Este, e o caminho todo fomos admirando a paisagem. O ápice de nossa euforia foi quando chegamos em El Choro, uma das praias antes de Punta del Este.
A praia era linda, a água completamente azul, e ainda vimos alguns surfistas pegando ondas já no pôr do sol. Quanto mais andávamos, mais luzes e vestígios de cidade grande apareciam. Os grandes e altíssimos prédios ao fundo indicavam que estávamos chegando. Punta del Este é linda, cheia de casas e prédios lindos, lojas chiques, ruas movimentadas e iluminadas; lojas e restaurantes para todos os lados. Tudo era muito mais limpo e organizado do que a grande maioria das cidades no Brasil. Também era notável que era uma cidade cara para se viver.
No caminho já havíamos reservado o hostel, e chegamos até ele sem dificuldades. Foi o primeiro lugar que não foi difícil a comunicação, pois quase todos também falavam em inglês. Eu amei aquele hostel: a entrada era um bar, com um grande balcão com garrafas de todos os tipos de bebidas; ao lado havia uma grande lareira com sofás ao redor; um corredor com três banheiros levava até uma cozinha; os fundos davam para uma escada que subia ao segundo andar, onde estavam todos os quartos com algumas beliches em cada um. Entramos com as bicicletas e deixamos elas nos fundos, antes de largar as coisas no quarto e sair para jantar. Nós dois estávamos morrendo de fome, então saímos caminhando para procurar algum restaurante , mas estavam quase todos fechados! Descobri mais tarde que aquele dia era feriado no Uruguai.
Finalmente encontramos uma pizzaria aberta, e apesar do preço, a fome falou mais alto. Todos os hostels até ali só aceitavam dinheiro em espécie, então o esquema era que o Ashley pagava as hospedagens e eu pagava pelas refeições. Dava praticamente a mesma coisa. Era tão fácil conversar com o Ashley, pois não haviam julgamentos, éramos dois desconhecidos que se encontraram no meio do caminho de uma viagem. Eu sabia também que em breve chegaria o momento de nos despedirmos: ele seguiria seu caminho até o México e eu voltaria para casa. Por um lado isso era um pouco triste, mas por outro lado era um sentimento de muita gratidão. As coisas se tornaram muito mais fáceis desde que o encontrei, e eu também facilitei as coisas para ele, já que ele só falava em inglês. Era uma ótima troca e tenho certeza que ele pensava da mesma forma.
Depois de jantar, voltamos para o hostel. Tomei banho e fiquei um tempo em frente a lareira. Saí de noite para dar uma caminhada pelo bairro, e na volta passei por uma loja de conveniências para comprar um pacote de chás, pois estava muito frio. Na volta pro hostel, me surpreendi quando o Ashley também aceitou o chá, pois geralmente eu só via ele tomando cerveja ou água. Combinamos de ir até o porto da cidade para ver os lobos marinhos na manhã seguinte. Faltavam 135 km até Montevidéu, nunca estivemos tão perto. Mas eu não estava ansioso, desde quando iniciei a viagem, eu não pensava muito no destino, e sim na trajetória. Eu aproveitava cada dia, cada segundo. É uma sensação muito boa quando se aproveita muito bem o presente. É uma sensação muito boa! Estar aberto para o que der e vier é muito melhor do que perder tempo se preparando para o que pode não vir.
Amanhã será um grande dia, de um jeito ou de outro. Montevidéu que nos aguarde. Eu quero aquele sanduíche!
La Paloma - Punta del Este.
19 de junho de 2023.
119 km.